A primeira fenda apareceu numa grande laje natural, lisa, como a mesa dos ventos, algures nos Pirenéus

- JANGADA DE PEDRA; José Saramago, 1986

Em 1986 o escritor José Saramago escreveu o romance Jangada de Pedra no qual imagina uma estranha viagem da Península Ibéria que, separando-se do continente europeu deriva ao longo do oceano Atlântico acabando por se imobilizar algures em frente a África.

Por estranho que pareça a compreensão deste romance pode constituir o ponto de partida para uma viagem ainda mais estranha que sem dúvida desafia a criatividade mais delirante de qualquer escritor… a que nos leva pelos caminhos de Portugal de Antes da História

Na edição de 2015 dos Manjares dos Claustros, deixe-se conduzir pelas vozes dos cientistas e do escritor, que através dos séculos foram desvendando o maravilhoso funcionamento do planeta onde habitamos. Uma surpreendente história onde os caracóis nos parecem hiperactivos e onde os vitrais das nossas catedrais afinal fluem aos longo dos séculos.

E tudo começa com as entradas conventuais e… os mapas, onde tal como o escritor declara:

É tempo de explicar que quanto aqui se diz ou venha a dizer é verdade pura e pode ser comprovado em qualquer mapa, desde que ele seja bastante minucioso para conter informações aparentemente tão insignificantes, pois a virtude dos mapas é essa, exibem a redutível disponibilidade do espaço, previnem que tudo pode acontecer nele. E acontece

Será um momento para compreender como a cartografia do nosso planeta foi evoluindo ao longo dos tempo e como os contornos dos continentes e oceanos que iam surgindo, acabavam por despertar ideias verdadeiramente surpreendentes… Seria possível que afinal os continentes se tivessem movido através dos tempos?

 

A passagem para os pratos principais, mais do que uma simples evolução na ementa, vai-nos revelar uma profunda evolução na forma de pensar; as aproximações filosóficas cedem lugar ao método científico… Embora a importância da imaginação não tenha então desaparecido, a Ciência passa a exigir a necessidade das provas… lentamente os Cientistas vão surgindo… e com eles a prova de que… afinal os continentes e oceanos foram evoluindo num tempo que não se pode medir em séculos ou milénios mas sim em milhões de anos… Algo que a nossa imaginação afinal não consegue perceber. Afinal o conhecimento do nosso passado mais remoto acaba por implicar a capacidade de olharmos para o mundo que nos rodeia com um "olhar distinto" daquele que utilizamos no nosso dia-a-dia.

 

Mas os séculos foram passando e a capacidade de visualização dos processos que ocorrem no nosso planeta também. Os doces e as frutas acabam por nos conduzir ao novo espaço do Convento das Maltezas, o Observatório de Ciências da Terra Professor Mariano Gago, onde uma enorme esfera de 2 metros de diâmetro nos permite visualizar a três dimensões não só o nosso planeta mas como ele foi evoluindo no passado… e também prever o futuro… Afinal as esferas de cristal dos astrólogos com a sua capacidade de prever o futuro não existem mas…

Um edifício é uma entidade tão viva quão aqueles que nela alberga. Nasce, Cresce e Morre. O convento de São João da Penitência, vulgo Convento das Maltezas, não é excepção.
Na anterior edição focamos a infância do mosteiro, entre 1540-43, quando as primeiras irmãs hospitalárias, tendo como priora D. Francisca da Silva, vieram povoar o convento.

Nada fica, no entanto, indiferente à passagem do tempo e, nesta segunda edição encontraremos um mosteiro adolescente. Ganha altura, ganhando um piso superior rasgado em vãos de arco muito abatido, de verga quase horizontal, carregada sobre pilares quadrangulares rematados de fina imposta. Mostra novo rosto, tendo no portão da galilé de acesso a data "1757". Vaidoso, foi enfeitado com representações  do presépio adornadas por flores de papel.

E, eis que, assim recebe o Barroco, a segunda etapa da Época Classica. O mundo encontra-se divido entre a fé e a razão. Galileu Galilei e Johannes Keples trazem novas descobertas sobre a teoria dos planetas, a gravidade, órbita e leis do movimento. Rene Descartes, Blaise Pascal, Pierre de Fermat e Isaac Newton contribuem nos campos da matemática, filosofia e física. William Harvey e outros médicos começam a explorar o corpo humano e a forma como ele funciona.

Embora algumas experiências científicas tenham fornecido base para as pinturas exploratórias, também conduziram as pessoas em direção dos ideais religiosos. A religião permite que as pessoas encontrem consolo no meio destas descobertas “assustadoras e confusas”. Caravaggio cria várias pinturas que retratam cenas religiosas famosas, como "A Conversão de São Paulo". Contudo, esses retratos eram diferentes das pinturas anteriores, conferindo uma abordagem científica e realista a eventos metafísicos.

As teorias científicas sobre o tempo e o espaço influenciam a arte barroca. Muitos artistas deste período exploraram a forma como o tempo e a natureza interagem retratando momentos que eram tanto eternos quanto instantâneos.

Assim, a propósito da origem da palavra barroco, deve mencionar-se que, segundo a maior parte dos críticos, este termo foi utilizado na língua portuguesa pela primeira vez por Garcia da Orta no Colóquios dos Simples (1563), ao referir-se a pedras mal afeiçoadas e irregulares.

A esta interpretação acrescentou Philip Butler, em 1959 (na obra Classicisme et baroque dans l’oeuvre de Racine), o aspecto da comercialização feita pelos portugueses das pérolas irregulares originárias de Barokia, nas proximidades de Diu. Os mercadores portugueses teriam, assim, associado tais pedras de formato irregular a uma indicação de origem.

Curioso é o facto de, em Portugal, a definição que consagra o barroco como período histórico datar apenas do século XX, com a publicação da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, já que durante todo o século anterior o discurso crítico se opôs tenaz e resistentemente ao barroco, identificando-o quase sempre com a cultura dos jesuítas.

Importa, neste contexto, relembrar que a construção do conceito de barroco como manifestação artística, sistema cultural e civilizacional foi elaborado a posteriori.

Com o teórico, mais ou menos, resumido fica o convite para este barroco jantar onde, citando André Gide,“ Nas horas de ócio se fazem coisas excelentes”.

Bibliografia:
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal - Distrito de Évora, Lisboa, 1975.
PEREIRA, José Fernandes, “O barroco do século XVII: transição e mudança” in História da arte portuguesa, vol.3, Pereira, Paulo (dir.), Lisboa, Temas e Debates, 1997, pp. 11-50.